terça-feira, 1 de novembro de 2011

HIV avança entre crianças nas regiões Norte e Nordeste

Tendência de alta da transmissão da mãe para o bebê é creditada a pré-natal malfeito e falta de testes de AIDS

No Sul, apesar da tendência de queda, incidência da Aids entre crianças tem a maior taxa do país


JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

Enquanto a transmissão vertical -mãe-bebê- do HIV vem caindo no Brasil, a tendência é de alta nas regiões Norte e Nordeste, segundo dados reunidos pelo Ministério da Saúde.
A taxa nacional de incidência da Aids em menores de cinco anos passou de 5,4 casos por 100 mil habitantes em 2000 para 3 em 100 mil em 2009. Nesse período, a taxa passou de 1,9 para 4 em 100 mil no Norte e de 1,4 para 2,3 por 100 mil no Nordeste.
A incidência do HIV entre crianças de até 5 anos é usada pelo governo como espelho da chamada transmissão vertical -principal causa de infecção nessa faixa etária. Esse tipo de contaminação pode ser evitado, com tratamento médico.
Os dados são preocupantes, diz Jarbas Barbosa, secretário de vigilância em saúde do ministério.
"Temos de dar um desconto porque melhoramos a detecção [do HIV], mas não há a tendência de redução que percebemos nos outros lugares. Em um país que oferece acesso universal ao antirretroviral, a gente espera a redução", afirma.
O Sul segue a tendência de queda, mas manteve a maior taxa de incidência em menores de 5 anos -de 9,4 em 2000 para 5,8 em 2009.
A feminilização da Aids, pré-natal malfeito e falta da teste de HIV em gestantes podem explicar o maior registro da transmissão vertical do HIV nessas duas regiões.
A meta do ministério é realizar o teste do HIV em 100% das grávidas em 2012 -a universalização consta do programa Rede Cegonha. Pretende-se usar o teste rápido, que detecta o vírus em minutos.
Os dados que apontam a disparidade regional da transmissão da Aids serão divulgados hoje pelo "Saúde Brasil 2010", estudo anual do Ministério da Saúde.
O documento mostra outra doença com grande variação regional: a hanseníase. A incidência da doença em 2010 foi de 1,56 por 10 mil habitantes. No Maranhão e em Mato Grosso, a taxa foi de 9,9 e 5 por 10 mil, respectivamente.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A importância de se prevenir contra o HPV - Jairo Bouer

Nos últimos meses várias pesquisas confirmaram a relação que existe entre o vírus HPV e uma série de tipos de câncer em áreas do corpo relacionadas à prática sexual. É claro que os jovens aparecem como foco de atenção nessa situação.
Explico melhor: há muito tempo já se conhecia a forte associação do HPV (papilomavírus humano) com o câncer de colo de útero. Por isso, mulheres que têm vida sexual ativa precisam fazer visitas periódicas ao ginecologista para colher o exame de papanicolau (que analisa células da vagina e do colo) e fazer a colposcopia (exame para visualizar pequenas lesões).
Estudos recentes mostram agora uma relação do HPV com casos de câncer de ânus (não apenas em quem pratica sexo anal), de cabeça de pênis (glande) e de boca e garganta em mais jovens (principalmente em quem faz sexo oral sem proteção com vários parceiros). Moral da história: alguns tipos desse vírus têm capacidade de induzir, com o tempo, transformações nas células que podem levar a um câncer.
Detalhe: são mais de cem tipos de HPV, e só alguns deles têm esse potencial oncogênico (de causar câncer). Outros tipos podem provocar verrugas na região genital (crista de galo ou condiloma), que também devem ser tratadas porque são sexualmente transmissíveis. As verrugas aumentam o risco de se adquirir outras DSTs.
Sexo com proteção (camisinha) diminui muito a chance de se contaminar com HPV, mas não zera esse risco, já que o vírus pode estar fora da área de proteção do preservativo (no saco escrotal, por exemplo).
Há algum tempo existem também vacinas, que agora podem ser tomadas por garotos e garotas entre nove e 26 anos, de preferência antes do início da vida sexual, para diminuir o risco de infecção pelos tipos mais agressivos do vírus. São três doses, por R$ 1.500. Para ampliar a prevenção, independentemente de você ser homem ou mulher, de fazer sexo com quem quer que seja, procure seu médico com regularidade para fazer os controles necessários.

Folhateen - 31out2011

domingo, 30 de outubro de 2011

1 em cada 10 jovens atendidas no SUS tem doença transmitida pelo sexo

Estudo nacional realizado pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, unidade da Secretaria de Estado da Saúde na capital paulista, indica alta prevalência de infecção por clamídia entre jovens brasileiras atendidas nos serviços públicos de saúde.

Ao todo 2.071 jovens, entre 15 e 24 anos, atendidas em unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) nas cinco macrorregiões (norte, nordeste, sudeste, sul, centro-oeste), participaram do estudo. A prevalência de clamídia entre as jovens avaliadas foi de 9,8%, sendo que 4% delas também tiveram resultado positivo para infecção por gonorreia.

A clamídia é a doença sexualmente transmissível (DST) causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, que pode infectar homens e mulheres e ser transmitida da mãe para o bebê na passagem pelo canal do parto.

A infecção atinge especialmente a uretra e órgãos genitais, mas também pode atingir a região anal, a faringe e ser responsável por doenças pulmonares. Se não tratada, é uma das causas da infertilidade masculina e feminina, e pode aumentar de três a seis vezes o risco da infecção pelo HIV.

"A mulher infectada pela Chlamyda trachomatis durante a gestação está mais sujeita a partos prematuros e a abortos. Nos casos de transmissão vertical, na hora do parto, o recém-nascido corre o risco de desenvolver um tipo de conjuntivite  e pneumonia", afirma o médico Valdir Monteiro Pinto, coordenador do estudo no CRT/DST-Aids.

Ele alerta que a infecção pode ser assintomática em até 80% das mulheres e em 50% dos homens. Quando os sintomas aparecem, podem ser parecidos nos dois sexos: dor ou ardor ao urinar, aumento do número de micções, presença de secreção fluida. As mulheres podem apresentar, ainda, perda de sangue nos intervalos do período menstrual, dor às relações sexuais, dor no baixo ventre e doença inflamatória pélvica.

Não existe vacina contra a clamídia. A única forma de prevenir a transmissão da bactéria é o sexo seguro com o uso de preservativos. Uma vez instalada a infecção, o tratamento deve ser realizado com o uso de antibióticos específicos e deve incluir o tratamento do parceiro ou parceira para garantir a cura e evitar a reinfecção.


Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/noticias/1-em-cada-10-jovens-atendidas-no-sus-tem-doenca-transmitida-pelo-sexo

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Entrevista com o ministro do STF Carlos Ayres Britto

Preconceito de homofóbico o faz chafurdar no ódio
PELA 1ª VEZ, MINISTRO CONHECIDO POR CITAÇÕES POÉTICAS E VOTOS PROGRESSISTAS NO STF DEFENDE PUBLICAMENTE A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA


FELIPE SELIGMAN
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

Conhecido por citações poéticas e votos progressistas, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, 68, defende, pela primeira vez publicamente, a criminalização da homofobia, ao entender que quem a pratica "chafurda no lamaçal do ódio".
Protestos de congressistas da bancada evangélica acabaram paralisando a tramitação do projeto de lei anti-homofobia, que está estacionado há dois meses no Senado.
Para o ministro, não são necessárias novas leis para garantir aos casais gays os mesmos direitos dos heterossexuais já que a Constituição é "autoaplicável".
Em entrevista concedida à Folha na beira do lago Paranoá, em Brasília, Ayres Britto disse que vê o debate sobre as drogas como uma questão de "saúde pública".
Afirmou ainda que "se nós, os homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre".



FOLHA - O STF tem sido acusado de usurpar a competência do Legislativo. O sr. concorda com essa afirmação?
CARLOS AYRES BRITTO
- Não concordo. Veementemente respondo que o Supremo não tem usurpado função legislativa, principalmente do Congresso. O que o STF tem feito é interpretar a Constituição à luz da sua densa principiologia. O parágrafo 2º do artigo 5º autoriza o Judiciário a resolver controvérsias a partir de direitos e garantias implícitos.

E por que essa crítica ao STF?
As pessoas não percebem que os princípios também são normas e com potencialidade de, por si mesmos, resolver casos concretos quando os princípios constitucionais têm os seus elementos conceituais lançados pela própria Constituição. O Judiciário está autorizado a dispensar a mediação do Legislativo, porque, na matéria, a Constituição se faz autoaplicável.

No caso das uniões estáveis homoafetivas isso aconteceu?
Aconteceu, fizemos o saque de princípios constitucionais, tanto expressos quanto implícitos. Como fizemos quando proibimos o nepotismo no Judiciário e nos demais poderes. Porque o nepotismo é contrário a princípios constitucionais, até explícitos, como o princípio da moralidade. E cumprimos bem com o nosso dever: tiramos a Constituição do papel. Também no caso da homoafetividade, interpretamos os artigos da Constituição na matéria à luz de princípios como igualdade, liberdade, combate ao preconceito e pluralismo.

Qualquer nova lei virá confirmar o que foi decidido, mas nunca para criar regra diferente do que foi debatido?
Exatamente. A isonomia entre uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas é para todos os fins e efeitos. Em linha de princípio, é isso. Assim foi pedido pela Procuradoria-Geral da República quando propôs a ação. Não pode haver legislação infraconstitucional, parece evidente, que amesquinhe ou nulifique essa isonomia.

O que exatamente o STF decidiu sobre homoafetividade?
Pela possibilidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Possibilidade jurídica, lógico. Em igualdade de condições com as uniões estáveis dos casais heterossexuais. União estável com a força de constituir uma entidade familiar.

Qual a diferença entre a decisão que negou a união estável em Goiânia e a que permitiu o casamento civil em Jacareí?
Como desfrutam de independência técnica, além da política, os magistrados são livres para equacionar juridicamente as controvérsias, desde que fundamentem tecnicamente suas decisões. Natural, portanto, que dois juízes projetem sobre a mesma causa um olhar interpretativo descoincidente, cabendo às partes insatisfeitas os devidos recursos ou, quem sabe, reclamações para o próprio Supremo.

Sem entrar no mérito de decisões específicas, qualquer decisão que diferencie a relação entre o homossexual e o heterossexual vai contra o STF?
Sim. A decisão foi claramente no sentido da igualdade de situações entre os parceiros do mesmo sexo e casais de sexos diferentes.

O Congresso precisa fazer alguma lei complementar?
Entendo que a Constituição é autoaplicável na matéria. Entretanto, há aspectos de minúcias que ficam à disposição da lei comum.

A questão deve voltar ao STF?
A Constituição atual, caracterizando-se como redentora dos direitos e garantias, e não como redutora, estimulou muito a judicialização das controvérsias, inclusive as de natureza política. Daí a expectativa de que a matéria tem potencialidade para retornar ao tribunal.

O sr. é a favor de criminalizar a homofobia?
Tenho [para mim] que sim. O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue.

Recentemente o STF decidiu sobre o direito de organização para a defesa da legalização da maconha. Será assim para todas as marchas?
A decisão se circunscreveu à chamada Marcha da Maconha, mas os respectivos fundamentos se prestam para a discussão a céu aberto de toda e qualquer política de criminalização das demais substâncias entorpecentes.

O sr. tem opinião sobre o tema?
Minha inclinação pessoal é para ver o tema como uma focada questão de saúde pública. Me inquieta o fato de que temos tantas leis de endurecimento da resposta punitiva do Estado e, no entanto, a produção, o tráfico e o uso de tais substâncias não param de crescer.

Outro tema polêmico é o do aborto em caso de feto anencéfalo. O sr. já expôs opinião favorável à prática, certo?
No voto que proferi na discussão sobre o cabimento da ADPF [ação que trata do tema] manifestei opinião de que se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre.
FSP - 04/07/2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Os homens e o estupro

por Daniel Costa Lima, terça, 14 de junho de 2011 às 08:07

Quando se fala em estratégias para diminuir, prevenir casos de estupro, geralmente, algumas coisas que surgem são: 1) orientações para que as mulheres não andem em determinados lugares e determinados horários; 2) à noite, as mulheres nunca devem andar sozinhas; 3) as mulheres devem aprender alguma arte marcial, para que possam se defender em casos de agressão sexual; 4) distribuir spray de pimenta para as mulheres, como será feito em Uganda; 5) à noite, as mulheres devem andar com um apito pendurado no pescoço, para que possam chamar atenção em casos de tentativa de violência sexual, como acontece em muitas universidades estadunidenses; 6) as mulheres não devem beber em excesso em lugares que não conhecem bem e quando estão sozinhas, pois algum homem pode tomar proveito da situação; 7) as mulheres não devem aceitar bebidas de estranhos, pois esta pode estar ‘batizada’ por alguma droga; 8) as mulheres devem evitar roupas decotadas e curtas, pois isso ‘instigaria’ o lado animalesco dos homens; 9) elas devem dizer “não”, em alto e bom tom, de maneira firme, decidida e repetida... as mulheres devem, as mulheres não devem, as mulheres...

A questão é: as mulheres não deveriam ter que se desdobrar em estratégias para não serem estupradas! Elas deveriam poder andar por toda a cidade, em qualquer horário, acompanhadas ou não; deveriam poder beber à vontade e eventualmente se embriagarem à vontade; deveriam poder usar a roupa que bem entendem, sem que isso seja compreendido como um convite sexual; deveriam poder flertar à vontade, beijar à vontade, e depois falar que não querem transar e ponto...

Não temos que modificar a mentalidade das mulheres, mas sim, a de vários homens, que ainda enxergam as mulheres como objetos sexuais, que não aceitam um “não” como resposta, que (mal) acostumados a um mundo de privilégios (quase sempre garantidos por mulheres, que cuidam da casa deles, dos filhos deles, das roupas deles e muitas vezes, até da saúde deles), não conseguem ter seus desejos frustrados, e que assim, se acham no direito de usar da força física e da ameaça para garantir os mesmos. Manter o debate da violência sexual centrado nas mulheres mantém a falsa idéia de que este é um problema das mulheres.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Ou o sal não salga ou ...

O Globo - 07/06/2011

Artigo de Sérgio Carrara

Frente a pânicos morais todo cuidado é pouco. Qualquer movimento para sair deles pode nos empurrar mais ao fundo. Para escapar, é crucial agarrar-se aos fatos e à razão, colocando questões diferentes das que são formuladas pelos interessados em produzi-lo ou pelos que, nele, permanecem presos.

Frente ao pânico moral que cercou o KIT ANTI-HOMOFOBIA do Ministério da Educação, a ação do governo foi errática e confusa. Intempestivamente, Dilma mandou "suspendê-lo", em vez de dizer simplesmente que confiava no discernimento da equipe do ministério quanto ao seu teor e à sua utilização. Baseada no que viu na tevê, afirmou que o material "fazia propaganda de opções sexuais" e que isso seria inaceitável. Parece que se referia a uma frase em que um adolescente chegava à conclusão de que teria maiores chances de envolver-se com alguém, pois se sentia atraído igualmente por rapazes e moças. Colocando bissexuais em posição privilegiada em relação a homossexuais e a heterossexuais, mais limitados em suas "opções" (para usar a expressão da presidente), a ideia pode até ser considerada infeliz. Mas o que haveria de tão escandaloso nessa quase risível fabulação de um adolescente?

Se "ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar...", podemos dizer que ou todo esse imbróglio esconde "tenebrosas transações" (como muitos acreditam), ou revela certa concepção sobre os considerados sexualmente diferentes que urge submeter à crítica. O kit que o ministério desenvolveu aborda a homofobia sem vitimizar pessoas LGBT, apresentando sua diferença como algo positivo. Quando afirma que o governo "combate a homofobia, mas não propagandeia opções sexuais", a presidente parece dizer que, ao não tratar a homossexualidade como um "problema", o material a incentiva. Não estaríamos frente à tradução laica do mantra esquizofrenizante repetido ad nauseam por pastores e padres, segundo o qual se deve "amar o pecador, mas não o pecado"? Ou "acolher homossexuais, mas não a homossexualidade"?

Caso não seja isso, seria aconselhável Dilma vir a público dizer que os que afirmam ser a homossexualidade pecado e negam os direitos de cidadania a homens e mulheres homossexuais estão "propagandeando" a heterossexualidade e que isso é também inaceitável. Deve esclarecer que seu governo não combate apenas a barbárie homofóbica, mas defende a completa igualdade de direitos, fazendo suas as palavras dos juízes do STF sobre o estatuto das uniões homoafetivas. Sob pena de se misturar aos que consideram a homossexualidade inferior e deram início a toda essa confusão, deve deixar claro que os motivos que a fazem condenar o material produzido pelo ministério não são iguais aos de bolsonaros e garotinhos.

SÉRGIO CARRARA é antropólogo.

domingo, 29 de maio de 2011

Kit polêmica - Jornal O Estado de S. Paulo – Caderno Aliás - Domingo, 29 de maio de 2011, J3

Debora Diniz*

A história ainda é nebulosa. Parece um daqueles eventos políticos em que os fatos são piores que os rumores. O teatro público foi o seguinte: o Ministério da Educação anunciou a distribuição de material didático de combate à homofobia nas escolas de ensino médio; um grupo de parlamentares evangélicos reagiu ao que foi descrito como kit gay e pressionou o governo contra a iniciativa; a presidente anunciou o veto ao material didático do MEC. As breves palavras da presidente sobre o ocorrido se resumiram a “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”. Não arrisco dizer que essa foi a primeira grande polêmica do governo Dilma, mas pressinto uma atualização da patrulha moralista que a perseguiu durante a campanha presidencial. O primeiro capítulo desse teatro parece ser o único a sobreviver como relato oficial da história. O MEC produziu um material didático para a sensibilização e o combate à homofobia nas escolas de ensino médio. O diagnóstico do MEC é simples: a homofobia mata, persegue e violenta aqueles que estão fora da norma heterossexista de classificação das sexualidades. Um adolescente gay tem medo de ir à escola e ser discriminado. Há histórias de abandono escolar e de suicídio. Uma das personagens do vídeo original do MEC se chama Bianca, uma travesti que sai do armário ainda no período escolar. Seu primeiro ato de rebeldia foi pintar as unhas de vermelho e ir à escola. A ousadia rendeu-lhe um ano de silêncio familiar.
Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC. Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode ser um espaço aterrorizante.
O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as escolas públicas.
Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC – uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.
O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas. Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade. A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade sexual.
* Professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.