quinta-feira, 16 de junho de 2011

Os homens e o estupro

por Daniel Costa Lima, terça, 14 de junho de 2011 às 08:07

Quando se fala em estratégias para diminuir, prevenir casos de estupro, geralmente, algumas coisas que surgem são: 1) orientações para que as mulheres não andem em determinados lugares e determinados horários; 2) à noite, as mulheres nunca devem andar sozinhas; 3) as mulheres devem aprender alguma arte marcial, para que possam se defender em casos de agressão sexual; 4) distribuir spray de pimenta para as mulheres, como será feito em Uganda; 5) à noite, as mulheres devem andar com um apito pendurado no pescoço, para que possam chamar atenção em casos de tentativa de violência sexual, como acontece em muitas universidades estadunidenses; 6) as mulheres não devem beber em excesso em lugares que não conhecem bem e quando estão sozinhas, pois algum homem pode tomar proveito da situação; 7) as mulheres não devem aceitar bebidas de estranhos, pois esta pode estar ‘batizada’ por alguma droga; 8) as mulheres devem evitar roupas decotadas e curtas, pois isso ‘instigaria’ o lado animalesco dos homens; 9) elas devem dizer “não”, em alto e bom tom, de maneira firme, decidida e repetida... as mulheres devem, as mulheres não devem, as mulheres...

A questão é: as mulheres não deveriam ter que se desdobrar em estratégias para não serem estupradas! Elas deveriam poder andar por toda a cidade, em qualquer horário, acompanhadas ou não; deveriam poder beber à vontade e eventualmente se embriagarem à vontade; deveriam poder usar a roupa que bem entendem, sem que isso seja compreendido como um convite sexual; deveriam poder flertar à vontade, beijar à vontade, e depois falar que não querem transar e ponto...

Não temos que modificar a mentalidade das mulheres, mas sim, a de vários homens, que ainda enxergam as mulheres como objetos sexuais, que não aceitam um “não” como resposta, que (mal) acostumados a um mundo de privilégios (quase sempre garantidos por mulheres, que cuidam da casa deles, dos filhos deles, das roupas deles e muitas vezes, até da saúde deles), não conseguem ter seus desejos frustrados, e que assim, se acham no direito de usar da força física e da ameaça para garantir os mesmos. Manter o debate da violência sexual centrado nas mulheres mantém a falsa idéia de que este é um problema das mulheres.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Ou o sal não salga ou ...

O Globo - 07/06/2011

Artigo de Sérgio Carrara

Frente a pânicos morais todo cuidado é pouco. Qualquer movimento para sair deles pode nos empurrar mais ao fundo. Para escapar, é crucial agarrar-se aos fatos e à razão, colocando questões diferentes das que são formuladas pelos interessados em produzi-lo ou pelos que, nele, permanecem presos.

Frente ao pânico moral que cercou o KIT ANTI-HOMOFOBIA do Ministério da Educação, a ação do governo foi errática e confusa. Intempestivamente, Dilma mandou "suspendê-lo", em vez de dizer simplesmente que confiava no discernimento da equipe do ministério quanto ao seu teor e à sua utilização. Baseada no que viu na tevê, afirmou que o material "fazia propaganda de opções sexuais" e que isso seria inaceitável. Parece que se referia a uma frase em que um adolescente chegava à conclusão de que teria maiores chances de envolver-se com alguém, pois se sentia atraído igualmente por rapazes e moças. Colocando bissexuais em posição privilegiada em relação a homossexuais e a heterossexuais, mais limitados em suas "opções" (para usar a expressão da presidente), a ideia pode até ser considerada infeliz. Mas o que haveria de tão escandaloso nessa quase risível fabulação de um adolescente?

Se "ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar...", podemos dizer que ou todo esse imbróglio esconde "tenebrosas transações" (como muitos acreditam), ou revela certa concepção sobre os considerados sexualmente diferentes que urge submeter à crítica. O kit que o ministério desenvolveu aborda a homofobia sem vitimizar pessoas LGBT, apresentando sua diferença como algo positivo. Quando afirma que o governo "combate a homofobia, mas não propagandeia opções sexuais", a presidente parece dizer que, ao não tratar a homossexualidade como um "problema", o material a incentiva. Não estaríamos frente à tradução laica do mantra esquizofrenizante repetido ad nauseam por pastores e padres, segundo o qual se deve "amar o pecador, mas não o pecado"? Ou "acolher homossexuais, mas não a homossexualidade"?

Caso não seja isso, seria aconselhável Dilma vir a público dizer que os que afirmam ser a homossexualidade pecado e negam os direitos de cidadania a homens e mulheres homossexuais estão "propagandeando" a heterossexualidade e que isso é também inaceitável. Deve esclarecer que seu governo não combate apenas a barbárie homofóbica, mas defende a completa igualdade de direitos, fazendo suas as palavras dos juízes do STF sobre o estatuto das uniões homoafetivas. Sob pena de se misturar aos que consideram a homossexualidade inferior e deram início a toda essa confusão, deve deixar claro que os motivos que a fazem condenar o material produzido pelo ministério não são iguais aos de bolsonaros e garotinhos.

SÉRGIO CARRARA é antropólogo.