Tendência de alta da transmissão da mãe para o bebê é creditada a pré-natal malfeito e falta de testes de AIDS
No Sul, apesar da tendência de queda, incidência da Aids entre crianças tem a maior taxa do país
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA
Enquanto a transmissão vertical -mãe-bebê- do HIV vem caindo no Brasil, a tendência é de alta nas regiões Norte e Nordeste, segundo dados reunidos pelo Ministério da Saúde.
A taxa nacional de incidência da Aids em menores de cinco anos passou de 5,4 casos por 100 mil habitantes em 2000 para 3 em 100 mil em 2009. Nesse período, a taxa passou de 1,9 para 4 em 100 mil no Norte e de 1,4 para 2,3 por 100 mil no Nordeste.
A incidência do HIV entre crianças de até 5 anos é usada pelo governo como espelho da chamada transmissão vertical -principal causa de infecção nessa faixa etária. Esse tipo de contaminação pode ser evitado, com tratamento médico.
Os dados são preocupantes, diz Jarbas Barbosa, secretário de vigilância em saúde do ministério.
"Temos de dar um desconto porque melhoramos a detecção [do HIV], mas não há a tendência de redução que percebemos nos outros lugares. Em um país que oferece acesso universal ao antirretroviral, a gente espera a redução", afirma.
O Sul segue a tendência de queda, mas manteve a maior taxa de incidência em menores de 5 anos -de 9,4 em 2000 para 5,8 em 2009.
A feminilização da Aids, pré-natal malfeito e falta da teste de HIV em gestantes podem explicar o maior registro da transmissão vertical do HIV nessas duas regiões.
A meta do ministério é realizar o teste do HIV em 100% das grávidas em 2012 -a universalização consta do programa Rede Cegonha. Pretende-se usar o teste rápido, que detecta o vírus em minutos.
Os dados que apontam a disparidade regional da transmissão da Aids serão divulgados hoje pelo "Saúde Brasil 2010", estudo anual do Ministério da Saúde.
O documento mostra outra doença com grande variação regional: a hanseníase. A incidência da doença em 2010 foi de 1,56 por 10 mil habitantes. No Maranhão e em Mato Grosso, a taxa foi de 9,9 e 5 por 10 mil, respectivamente.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
A importância de se prevenir contra o HPV - Jairo Bouer
Nos últimos meses várias pesquisas confirmaram a relação que existe entre o vírus HPV e uma série de tipos de câncer em áreas do corpo relacionadas à prática sexual. É claro que os jovens aparecem como foco de atenção nessa situação.
Explico melhor: há muito tempo já se conhecia a forte associação do HPV (papilomavírus humano) com o câncer de colo de útero. Por isso, mulheres que têm vida sexual ativa precisam fazer visitas periódicas ao ginecologista para colher o exame de papanicolau (que analisa células da vagina e do colo) e fazer a colposcopia (exame para visualizar pequenas lesões).
Estudos recentes mostram agora uma relação do HPV com casos de câncer de ânus (não apenas em quem pratica sexo anal), de cabeça de pênis (glande) e de boca e garganta em mais jovens (principalmente em quem faz sexo oral sem proteção com vários parceiros). Moral da história: alguns tipos desse vírus têm capacidade de induzir, com o tempo, transformações nas células que podem levar a um câncer.
Detalhe: são mais de cem tipos de HPV, e só alguns deles têm esse potencial oncogênico (de causar câncer). Outros tipos podem provocar verrugas na região genital (crista de galo ou condiloma), que também devem ser tratadas porque são sexualmente transmissíveis. As verrugas aumentam o risco de se adquirir outras DSTs.
Sexo com proteção (camisinha) diminui muito a chance de se contaminar com HPV, mas não zera esse risco, já que o vírus pode estar fora da área de proteção do preservativo (no saco escrotal, por exemplo).
Há algum tempo existem também vacinas, que agora podem ser tomadas por garotos e garotas entre nove e 26 anos, de preferência antes do início da vida sexual, para diminuir o risco de infecção pelos tipos mais agressivos do vírus. São três doses, por R$ 1.500. Para ampliar a prevenção, independentemente de você ser homem ou mulher, de fazer sexo com quem quer que seja, procure seu médico com regularidade para fazer os controles necessários.
Folhateen - 31out2011
Explico melhor: há muito tempo já se conhecia a forte associação do HPV (papilomavírus humano) com o câncer de colo de útero. Por isso, mulheres que têm vida sexual ativa precisam fazer visitas periódicas ao ginecologista para colher o exame de papanicolau (que analisa células da vagina e do colo) e fazer a colposcopia (exame para visualizar pequenas lesões).
Estudos recentes mostram agora uma relação do HPV com casos de câncer de ânus (não apenas em quem pratica sexo anal), de cabeça de pênis (glande) e de boca e garganta em mais jovens (principalmente em quem faz sexo oral sem proteção com vários parceiros). Moral da história: alguns tipos desse vírus têm capacidade de induzir, com o tempo, transformações nas células que podem levar a um câncer.
Detalhe: são mais de cem tipos de HPV, e só alguns deles têm esse potencial oncogênico (de causar câncer). Outros tipos podem provocar verrugas na região genital (crista de galo ou condiloma), que também devem ser tratadas porque são sexualmente transmissíveis. As verrugas aumentam o risco de se adquirir outras DSTs.
Sexo com proteção (camisinha) diminui muito a chance de se contaminar com HPV, mas não zera esse risco, já que o vírus pode estar fora da área de proteção do preservativo (no saco escrotal, por exemplo).
Há algum tempo existem também vacinas, que agora podem ser tomadas por garotos e garotas entre nove e 26 anos, de preferência antes do início da vida sexual, para diminuir o risco de infecção pelos tipos mais agressivos do vírus. São três doses, por R$ 1.500. Para ampliar a prevenção, independentemente de você ser homem ou mulher, de fazer sexo com quem quer que seja, procure seu médico com regularidade para fazer os controles necessários.
Folhateen - 31out2011
domingo, 30 de outubro de 2011
1 em cada 10 jovens atendidas no SUS tem doença transmitida pelo sexo
Estudo nacional realizado pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, unidade da Secretaria de Estado da Saúde na capital paulista, indica alta prevalência de infecção por clamídia entre jovens brasileiras atendidas nos serviços públicos de saúde.
Ao todo 2.071 jovens, entre 15 e 24 anos, atendidas em unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) nas cinco macrorregiões (norte, nordeste, sudeste, sul, centro-oeste), participaram do estudo. A prevalência de clamídia entre as jovens avaliadas foi de 9,8%, sendo que 4% delas também tiveram resultado positivo para infecção por gonorreia.
A clamídia é a doença sexualmente transmissível (DST) causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, que pode infectar homens e mulheres e ser transmitida da mãe para o bebê na passagem pelo canal do parto.
A infecção atinge especialmente a uretra e órgãos genitais, mas também pode atingir a região anal, a faringe e ser responsável por doenças pulmonares. Se não tratada, é uma das causas da infertilidade masculina e feminina, e pode aumentar de três a seis vezes o risco da infecção pelo HIV.
"A mulher infectada pela Chlamyda trachomatis durante a gestação está mais sujeita a partos prematuros e a abortos. Nos casos de transmissão vertical, na hora do parto, o recém-nascido corre o risco de desenvolver um tipo de conjuntivite e pneumonia", afirma o médico Valdir Monteiro Pinto, coordenador do estudo no CRT/DST-Aids.
Ele alerta que a infecção pode ser assintomática em até 80% das mulheres e em 50% dos homens. Quando os sintomas aparecem, podem ser parecidos nos dois sexos: dor ou ardor ao urinar, aumento do número de micções, presença de secreção fluida. As mulheres podem apresentar, ainda, perda de sangue nos intervalos do período menstrual, dor às relações sexuais, dor no baixo ventre e doença inflamatória pélvica.
Não existe vacina contra a clamídia. A única forma de prevenir a transmissão da bactéria é o sexo seguro com o uso de preservativos. Uma vez instalada a infecção, o tratamento deve ser realizado com o uso de antibióticos específicos e deve incluir o tratamento do parceiro ou parceira para garantir a cura e evitar a reinfecção.
Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/noticias/1-em-cada-10-jovens-atendidas-no-sus-tem-doenca-transmitida-pelo-sexo
Ao todo 2.071 jovens, entre 15 e 24 anos, atendidas em unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) nas cinco macrorregiões (norte, nordeste, sudeste, sul, centro-oeste), participaram do estudo. A prevalência de clamídia entre as jovens avaliadas foi de 9,8%, sendo que 4% delas também tiveram resultado positivo para infecção por gonorreia.
A clamídia é a doença sexualmente transmissível (DST) causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, que pode infectar homens e mulheres e ser transmitida da mãe para o bebê na passagem pelo canal do parto.
A infecção atinge especialmente a uretra e órgãos genitais, mas também pode atingir a região anal, a faringe e ser responsável por doenças pulmonares. Se não tratada, é uma das causas da infertilidade masculina e feminina, e pode aumentar de três a seis vezes o risco da infecção pelo HIV.
"A mulher infectada pela Chlamyda trachomatis durante a gestação está mais sujeita a partos prematuros e a abortos. Nos casos de transmissão vertical, na hora do parto, o recém-nascido corre o risco de desenvolver um tipo de conjuntivite e pneumonia", afirma o médico Valdir Monteiro Pinto, coordenador do estudo no CRT/DST-Aids.
Ele alerta que a infecção pode ser assintomática em até 80% das mulheres e em 50% dos homens. Quando os sintomas aparecem, podem ser parecidos nos dois sexos: dor ou ardor ao urinar, aumento do número de micções, presença de secreção fluida. As mulheres podem apresentar, ainda, perda de sangue nos intervalos do período menstrual, dor às relações sexuais, dor no baixo ventre e doença inflamatória pélvica.
Não existe vacina contra a clamídia. A única forma de prevenir a transmissão da bactéria é o sexo seguro com o uso de preservativos. Uma vez instalada a infecção, o tratamento deve ser realizado com o uso de antibióticos específicos e deve incluir o tratamento do parceiro ou parceira para garantir a cura e evitar a reinfecção.
Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/noticias/1-em-cada-10-jovens-atendidas-no-sus-tem-doenca-transmitida-pelo-sexo
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Entrevista com o ministro do STF Carlos Ayres Britto
Preconceito de homofóbico o faz chafurdar no ódio
PELA 1ª VEZ, MINISTRO CONHECIDO POR CITAÇÕES POÉTICAS E VOTOS PROGRESSISTAS NO STF DEFENDE PUBLICAMENTE A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA
FELIPE SELIGMAN
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA
Conhecido por citações poéticas e votos progressistas, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, 68, defende, pela primeira vez publicamente, a criminalização da homofobia, ao entender que quem a pratica "chafurda no lamaçal do ódio".
Protestos de congressistas da bancada evangélica acabaram paralisando a tramitação do projeto de lei anti-homofobia, que está estacionado há dois meses no Senado.
Para o ministro, não são necessárias novas leis para garantir aos casais gays os mesmos direitos dos heterossexuais já que a Constituição é "autoaplicável".
Em entrevista concedida à Folha na beira do lago Paranoá, em Brasília, Ayres Britto disse que vê o debate sobre as drogas como uma questão de "saúde pública".
Afirmou ainda que "se nós, os homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre".
FOLHA - O STF tem sido acusado de usurpar a competência do Legislativo. O sr. concorda com essa afirmação?
CARLOS AYRES BRITTO - Não concordo. Veementemente respondo que o Supremo não tem usurpado função legislativa, principalmente do Congresso. O que o STF tem feito é interpretar a Constituição à luz da sua densa principiologia. O parágrafo 2º do artigo 5º autoriza o Judiciário a resolver controvérsias a partir de direitos e garantias implícitos.
E por que essa crítica ao STF?
As pessoas não percebem que os princípios também são normas e com potencialidade de, por si mesmos, resolver casos concretos quando os princípios constitucionais têm os seus elementos conceituais lançados pela própria Constituição. O Judiciário está autorizado a dispensar a mediação do Legislativo, porque, na matéria, a Constituição se faz autoaplicável.
No caso das uniões estáveis homoafetivas isso aconteceu?
Aconteceu, fizemos o saque de princípios constitucionais, tanto expressos quanto implícitos. Como fizemos quando proibimos o nepotismo no Judiciário e nos demais poderes. Porque o nepotismo é contrário a princípios constitucionais, até explícitos, como o princípio da moralidade. E cumprimos bem com o nosso dever: tiramos a Constituição do papel. Também no caso da homoafetividade, interpretamos os artigos da Constituição na matéria à luz de princípios como igualdade, liberdade, combate ao preconceito e pluralismo.
Qualquer nova lei virá confirmar o que foi decidido, mas nunca para criar regra diferente do que foi debatido?
Exatamente. A isonomia entre uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas é para todos os fins e efeitos. Em linha de princípio, é isso. Assim foi pedido pela Procuradoria-Geral da República quando propôs a ação. Não pode haver legislação infraconstitucional, parece evidente, que amesquinhe ou nulifique essa isonomia.
O que exatamente o STF decidiu sobre homoafetividade?
Pela possibilidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Possibilidade jurídica, lógico. Em igualdade de condições com as uniões estáveis dos casais heterossexuais. União estável com a força de constituir uma entidade familiar.
Qual a diferença entre a decisão que negou a união estável em Goiânia e a que permitiu o casamento civil em Jacareí?
Como desfrutam de independência técnica, além da política, os magistrados são livres para equacionar juridicamente as controvérsias, desde que fundamentem tecnicamente suas decisões. Natural, portanto, que dois juízes projetem sobre a mesma causa um olhar interpretativo descoincidente, cabendo às partes insatisfeitas os devidos recursos ou, quem sabe, reclamações para o próprio Supremo.
Sem entrar no mérito de decisões específicas, qualquer decisão que diferencie a relação entre o homossexual e o heterossexual vai contra o STF?
Sim. A decisão foi claramente no sentido da igualdade de situações entre os parceiros do mesmo sexo e casais de sexos diferentes.
O Congresso precisa fazer alguma lei complementar?
Entendo que a Constituição é autoaplicável na matéria. Entretanto, há aspectos de minúcias que ficam à disposição da lei comum.
A questão deve voltar ao STF?
A Constituição atual, caracterizando-se como redentora dos direitos e garantias, e não como redutora, estimulou muito a judicialização das controvérsias, inclusive as de natureza política. Daí a expectativa de que a matéria tem potencialidade para retornar ao tribunal.
O sr. é a favor de criminalizar a homofobia?
Tenho [para mim] que sim. O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue.
Recentemente o STF decidiu sobre o direito de organização para a defesa da legalização da maconha. Será assim para todas as marchas?
A decisão se circunscreveu à chamada Marcha da Maconha, mas os respectivos fundamentos se prestam para a discussão a céu aberto de toda e qualquer política de criminalização das demais substâncias entorpecentes.
O sr. tem opinião sobre o tema?
Minha inclinação pessoal é para ver o tema como uma focada questão de saúde pública. Me inquieta o fato de que temos tantas leis de endurecimento da resposta punitiva do Estado e, no entanto, a produção, o tráfico e o uso de tais substâncias não param de crescer.
Outro tema polêmico é o do aborto em caso de feto anencéfalo. O sr. já expôs opinião favorável à prática, certo?
No voto que proferi na discussão sobre o cabimento da ADPF [ação que trata do tema] manifestei opinião de que se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre.
FSP - 04/07/2011
PELA 1ª VEZ, MINISTRO CONHECIDO POR CITAÇÕES POÉTICAS E VOTOS PROGRESSISTAS NO STF DEFENDE PUBLICAMENTE A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA
FELIPE SELIGMAN
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA
Conhecido por citações poéticas e votos progressistas, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, 68, defende, pela primeira vez publicamente, a criminalização da homofobia, ao entender que quem a pratica "chafurda no lamaçal do ódio".
Protestos de congressistas da bancada evangélica acabaram paralisando a tramitação do projeto de lei anti-homofobia, que está estacionado há dois meses no Senado.
Para o ministro, não são necessárias novas leis para garantir aos casais gays os mesmos direitos dos heterossexuais já que a Constituição é "autoaplicável".
Em entrevista concedida à Folha na beira do lago Paranoá, em Brasília, Ayres Britto disse que vê o debate sobre as drogas como uma questão de "saúde pública".
Afirmou ainda que "se nós, os homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre".
FOLHA - O STF tem sido acusado de usurpar a competência do Legislativo. O sr. concorda com essa afirmação?
CARLOS AYRES BRITTO - Não concordo. Veementemente respondo que o Supremo não tem usurpado função legislativa, principalmente do Congresso. O que o STF tem feito é interpretar a Constituição à luz da sua densa principiologia. O parágrafo 2º do artigo 5º autoriza o Judiciário a resolver controvérsias a partir de direitos e garantias implícitos.
E por que essa crítica ao STF?
As pessoas não percebem que os princípios também são normas e com potencialidade de, por si mesmos, resolver casos concretos quando os princípios constitucionais têm os seus elementos conceituais lançados pela própria Constituição. O Judiciário está autorizado a dispensar a mediação do Legislativo, porque, na matéria, a Constituição se faz autoaplicável.
No caso das uniões estáveis homoafetivas isso aconteceu?
Aconteceu, fizemos o saque de princípios constitucionais, tanto expressos quanto implícitos. Como fizemos quando proibimos o nepotismo no Judiciário e nos demais poderes. Porque o nepotismo é contrário a princípios constitucionais, até explícitos, como o princípio da moralidade. E cumprimos bem com o nosso dever: tiramos a Constituição do papel. Também no caso da homoafetividade, interpretamos os artigos da Constituição na matéria à luz de princípios como igualdade, liberdade, combate ao preconceito e pluralismo.
Qualquer nova lei virá confirmar o que foi decidido, mas nunca para criar regra diferente do que foi debatido?
Exatamente. A isonomia entre uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas é para todos os fins e efeitos. Em linha de princípio, é isso. Assim foi pedido pela Procuradoria-Geral da República quando propôs a ação. Não pode haver legislação infraconstitucional, parece evidente, que amesquinhe ou nulifique essa isonomia.
O que exatamente o STF decidiu sobre homoafetividade?
Pela possibilidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Possibilidade jurídica, lógico. Em igualdade de condições com as uniões estáveis dos casais heterossexuais. União estável com a força de constituir uma entidade familiar.
Qual a diferença entre a decisão que negou a união estável em Goiânia e a que permitiu o casamento civil em Jacareí?
Como desfrutam de independência técnica, além da política, os magistrados são livres para equacionar juridicamente as controvérsias, desde que fundamentem tecnicamente suas decisões. Natural, portanto, que dois juízes projetem sobre a mesma causa um olhar interpretativo descoincidente, cabendo às partes insatisfeitas os devidos recursos ou, quem sabe, reclamações para o próprio Supremo.
Sem entrar no mérito de decisões específicas, qualquer decisão que diferencie a relação entre o homossexual e o heterossexual vai contra o STF?
Sim. A decisão foi claramente no sentido da igualdade de situações entre os parceiros do mesmo sexo e casais de sexos diferentes.
O Congresso precisa fazer alguma lei complementar?
Entendo que a Constituição é autoaplicável na matéria. Entretanto, há aspectos de minúcias que ficam à disposição da lei comum.
A questão deve voltar ao STF?
A Constituição atual, caracterizando-se como redentora dos direitos e garantias, e não como redutora, estimulou muito a judicialização das controvérsias, inclusive as de natureza política. Daí a expectativa de que a matéria tem potencialidade para retornar ao tribunal.
O sr. é a favor de criminalizar a homofobia?
Tenho [para mim] que sim. O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue.
Recentemente o STF decidiu sobre o direito de organização para a defesa da legalização da maconha. Será assim para todas as marchas?
A decisão se circunscreveu à chamada Marcha da Maconha, mas os respectivos fundamentos se prestam para a discussão a céu aberto de toda e qualquer política de criminalização das demais substâncias entorpecentes.
O sr. tem opinião sobre o tema?
Minha inclinação pessoal é para ver o tema como uma focada questão de saúde pública. Me inquieta o fato de que temos tantas leis de endurecimento da resposta punitiva do Estado e, no entanto, a produção, o tráfico e o uso de tais substâncias não param de crescer.
Outro tema polêmico é o do aborto em caso de feto anencéfalo. O sr. já expôs opinião favorável à prática, certo?
No voto que proferi na discussão sobre o cabimento da ADPF [ação que trata do tema] manifestei opinião de que se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre.
FSP - 04/07/2011
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Os homens e o estupro
por Daniel Costa Lima, terça, 14 de junho de 2011 às 08:07
Quando se fala em estratégias para diminuir, prevenir casos de estupro, geralmente, algumas coisas que surgem são: 1) orientações para que as mulheres não andem em determinados lugares e determinados horários; 2) à noite, as mulheres nunca devem andar sozinhas; 3) as mulheres devem aprender alguma arte marcial, para que possam se defender em casos de agressão sexual; 4) distribuir spray de pimenta para as mulheres, como será feito em Uganda; 5) à noite, as mulheres devem andar com um apito pendurado no pescoço, para que possam chamar atenção em casos de tentativa de violência sexual, como acontece em muitas universidades estadunidenses; 6) as mulheres não devem beber em excesso em lugares que não conhecem bem e quando estão sozinhas, pois algum homem pode tomar proveito da situação; 7) as mulheres não devem aceitar bebidas de estranhos, pois esta pode estar ‘batizada’ por alguma droga; 8) as mulheres devem evitar roupas decotadas e curtas, pois isso ‘instigaria’ o lado animalesco dos homens; 9) elas devem dizer “não”, em alto e bom tom, de maneira firme, decidida e repetida... as mulheres devem, as mulheres não devem, as mulheres...
A questão é: as mulheres não deveriam ter que se desdobrar em estratégias para não serem estupradas! Elas deveriam poder andar por toda a cidade, em qualquer horário, acompanhadas ou não; deveriam poder beber à vontade e eventualmente se embriagarem à vontade; deveriam poder usar a roupa que bem entendem, sem que isso seja compreendido como um convite sexual; deveriam poder flertar à vontade, beijar à vontade, e depois falar que não querem transar e ponto...
Não temos que modificar a mentalidade das mulheres, mas sim, a de vários homens, que ainda enxergam as mulheres como objetos sexuais, que não aceitam um “não” como resposta, que (mal) acostumados a um mundo de privilégios (quase sempre garantidos por mulheres, que cuidam da casa deles, dos filhos deles, das roupas deles e muitas vezes, até da saúde deles), não conseguem ter seus desejos frustrados, e que assim, se acham no direito de usar da força física e da ameaça para garantir os mesmos. Manter o debate da violência sexual centrado nas mulheres mantém a falsa idéia de que este é um problema das mulheres.
A questão é: as mulheres não deveriam ter que se desdobrar em estratégias para não serem estupradas! Elas deveriam poder andar por toda a cidade, em qualquer horário, acompanhadas ou não; deveriam poder beber à vontade e eventualmente se embriagarem à vontade; deveriam poder usar a roupa que bem entendem, sem que isso seja compreendido como um convite sexual; deveriam poder flertar à vontade, beijar à vontade, e depois falar que não querem transar e ponto...
Não temos que modificar a mentalidade das mulheres, mas sim, a de vários homens, que ainda enxergam as mulheres como objetos sexuais, que não aceitam um “não” como resposta, que (mal) acostumados a um mundo de privilégios (quase sempre garantidos por mulheres, que cuidam da casa deles, dos filhos deles, das roupas deles e muitas vezes, até da saúde deles), não conseguem ter seus desejos frustrados, e que assim, se acham no direito de usar da força física e da ameaça para garantir os mesmos. Manter o debate da violência sexual centrado nas mulheres mantém a falsa idéia de que este é um problema das mulheres.
terça-feira, 7 de junho de 2011
Ou o sal não salga ou ...
Frente a pânicos morais todo cuidado é pouco. Qualquer movimento para sair deles pode nos empurrar mais ao fundo. Para escapar, é crucial agarrar-se aos fatos e à razão, colocando questões diferentes das que são formuladas pelos interessados em produzi-lo ou pelos que, nele, permanecem presos.
Frente ao pânico moral que cercou o KIT ANTI-HOMOFOBIA do Ministério da Educação, a ação do governo foi errática e confusa. Intempestivamente, Dilma mandou "suspendê-lo", em vez de dizer simplesmente que confiava no discernimento da equipe do ministério quanto ao seu teor e à sua utilização. Baseada no que viu na tevê, afirmou que o material "fazia propaganda de opções sexuais" e que isso seria inaceitável. Parece que se referia a uma frase em que um adolescente chegava à conclusão de que teria maiores chances de envolver-se com alguém, pois se sentia atraído igualmente por rapazes e moças. Colocando bissexuais em posição privilegiada em relação a homossexuais e a heterossexuais, mais limitados em suas "opções" (para usar a expressão da presidente), a ideia pode até ser considerada infeliz. Mas o que haveria de tão escandaloso nessa quase risível fabulação de um adolescente?
Se "ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar...", podemos dizer que ou todo esse imbróglio esconde "tenebrosas transações" (como muitos acreditam), ou revela certa concepção sobre os considerados sexualmente diferentes que urge submeter à crítica. O kit que o ministério desenvolveu aborda a homofobia sem vitimizar pessoas LGBT, apresentando sua diferença como algo positivo. Quando afirma que o governo "combate a homofobia, mas não propagandeia opções sexuais", a presidente parece dizer que, ao não tratar a homossexualidade como um "problema", o material a incentiva. Não estaríamos frente à tradução laica do mantra esquizofrenizante repetido ad nauseam por pastores e padres, segundo o qual se deve "amar o pecador, mas não o pecado"? Ou "acolher homossexuais, mas não a homossexualidade"?
Caso não seja isso, seria aconselhável Dilma vir a público dizer que os que afirmam ser a homossexualidade pecado e negam os direitos de cidadania a homens e mulheres homossexuais estão "propagandeando" a heterossexualidade e que isso é também inaceitável. Deve esclarecer que seu governo não combate apenas a barbárie homofóbica, mas defende a completa igualdade de direitos, fazendo suas as palavras dos juízes do STF sobre o estatuto das uniões homoafetivas. Sob pena de se misturar aos que consideram a homossexualidade inferior e deram início a toda essa confusão, deve deixar claro que os motivos que a fazem condenar o material produzido pelo ministério não são iguais aos de bolsonaros e garotinhos.
SÉRGIO CARRARA é antropólogo.
domingo, 29 de maio de 2011
Kit polêmica - Jornal O Estado de S. Paulo – Caderno Aliás - Domingo, 29 de maio de 2011, J3
Debora Diniz*
A história ainda é nebulosa. Parece um daqueles eventos políticos em que os fatos são piores que os rumores. O teatro público foi o seguinte: o Ministério da Educação anunciou a distribuição de material didático de combate à homofobia nas escolas de ensino médio; um grupo de parlamentares evangélicos reagiu ao que foi descrito como kit gay e pressionou o governo contra a iniciativa; a presidente anunciou o veto ao material didático do MEC. As breves palavras da presidente sobre o ocorrido se resumiram a “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”. Não arrisco dizer que essa foi a primeira grande polêmica do governo Dilma, mas pressinto uma atualização da patrulha moralista que a perseguiu durante a campanha presidencial. O primeiro capítulo desse teatro parece ser o único a sobreviver como relato oficial da história. O MEC produziu um material didático para a sensibilização e o combate à homofobia nas escolas de ensino médio. O diagnóstico do MEC é simples: a homofobia mata, persegue e violenta aqueles que estão fora da norma heterossexista de classificação das sexualidades. Um adolescente gay tem medo de ir à escola e ser discriminado. Há histórias de abandono escolar e de suicídio. Uma das personagens do vídeo original do MEC se chama Bianca, uma travesti que sai do armário ainda no período escolar. Seu primeiro ato de rebeldia foi pintar as unhas de vermelho e ir à escola. A ousadia rendeu-lhe um ano de silêncio familiar.
Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC. Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode ser um espaço aterrorizante.
O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as escolas públicas.
Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC – uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.
O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas. Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade. A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade sexual.
Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC. Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode ser um espaço aterrorizante.
O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as escolas públicas.
Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC – uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.
O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas. Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade. A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade sexual.
* Professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
SeXXo e SeXYo
No livro Inventando o Sexo, publicado no Brasil em 2001, o historiador Thomas Laqueur relata que, até o século XVIII, a diferença sexual entre homens e mulheres não existia enquanto categoria. Até então, de acordo com o autor, imperava o modelo de sexo único: o masculino.
O sexo feminino era visto como o sexo masculino invertido. Ou seja, como a mulher não possuía o mesmo "calor vital" do homem, seus órgãos sexuais não se desenvolviam para o lado de fora do corpo e sim para o seu interior. Dessa forma, acreditava-se que o útero correspondia ao escroto; os ovários aos testículos e o canal vaginal ao pênis.
Mais do que um corpo sexual e reprodutivo invertido, esta visão atribuía um valor hierárquico superior àqueles que possuíam os órgãos sexuais e, obviamente, se refletia nas relações de poder. Só no século XIX é que se passou a reconhecer a mulher como um outro corpo.
Em outra publicação, Sexo Solitário – Uma História Cultural da Masturbação, o mesmo autor aborda o tema partindo das conclusões do médico suíço Simon André Tissot, no século XVIII. Com dificuldades de diagnosticar algumas doenças, Tissot concluiu ser a masturbação a causa de vários males tanto físicos como mentais. Nascia, assim, a Teoria da degeneração sexual, aceita por muitos médicos da época. O chamado "vício solitário", "autoestupro", "autoemasculação" e "autoabuso", apavorava adultos e crianças em escolas, conventos, lares burgueses, quartéis e fábricas. A indústria e o comércio, por seu lado, responderam prontamente ao apelo do mercado. Um arsenal de poções e pílulas antimasturbatórias, alarmes contra a ereção, bainha para pênis, luvas de dormir etc. foi fabricado para combater o "vício secreto”[1]. Nenhuma referência a masturbação feminina logicamente.
Utilizamos essas duas situações históricas para chamar a atenção para dois aspectos importantes sobre gênero, sexualidade e saúde reprodutiva. O primeiro deles é a pretensa superioridade de um sexo sobre o outro com base na biologia. O outro é o controle sobre o desejo e os prazeres do corpo.
O sexo traz uma marca forte da biologia, ou seja, quando falamos em sexo num sentido mais restrito, estamos falando de vários componentes biológicos que diferenciam os homens e as mulheres. Em termos genéticos, os homens têm cromossomos XY e as mulheres XX; os hormônios femininos são o estrógeno e a progesterona e o masculino é a testosterona; os órgãos genitais masculinos e femininos – externos e internos – são diferentes. E é por meio desse conjunto de características que, ao nascer, distinguimos as meninas e os meninos.
Quando falamos de gênero focalizamos as dimensões da cultura, da história, da política e da economia. Existem, sim, diferenças entre os sexos. Só que essas diferenças vão bem além de seus corpos. Várias das coisas que podemos ou devemos fazer como homens e mulheres são ditas por nossos familiares, professores/as, profissionais da saúde, meios de comunicação. Assim, gênero se refere à forma como uma determinada cultura diferencia as mulheres e os homens, restringindo privilégios e poderes.
A sexualidade tem a ver com a busca do prazer e com nossas escolhas e orientações. Quando falamos em sexualidade nos referimos não só ao ato sexual, mas, também, a uma dimensão da vida humana que se constrói, desde o nascimento até a morte, no encontro entre o afetivo, o biológico e o social.
Esse processo acontece de forma diferente em cada pessoa. Durante o desenvolvimento, algumas pessoas orientam essa busca por prazer e afeto para pessoas do outro sexo, outras para pessoas do mesmo sexo, outras ainda, para pessoas de ambos os sexos. O estudo da sexualidade demonstra que, ao redor dos nossos corpos, estão os modos como percebemos, sentimos, definimos, entendemos e, acima de tudo, praticamos os afetos e o sexo propriamente dito.
Fonte: adaptado de MEDRADO, Benedito (coord.) A diversidade é legal!: Educação e Saúde sem Preconceito. Recife: Instituto PAPAI, 2007.
Trazendo o nosso olhar para o século XXI, percebemos que muita coisa mudou nestes últimos três séculos. Nos dias de hoje, a luta pela igualdade – de gênero, de raça/etnia, de orientação sexual, dentre outras -- já faz parte da agenda de boa parte da sociedade civil organizada, bem como a ciência nos surpreende sistematicamente com descobertas que possibilitam a escolha de ter ou não filhos e até mesmo que mudemos de sexo.
No entanto, no que diz respeito a gênero, sexualidade e saúde reprodutiva, não são raras as vezes que nos deparamos com algumas visões e ações que nos remetem a séculos passados. A proibição de que adolescentes frequentem as aulas sobre saúde sexual e saúde reprodutiva por algumas igrejas ou a negação ao acesso de adolescentes desacompanhados por seus familiares ao teste anti-HIV nos serviços de saúde, são alguns exemplos. Do mesmo modo, a demonização da mídia e da internet como responsáveis pela “perda de valores” e pela “luxúria”, são alguns dos fatores que dificultam o avanço de projetos e programas nas áreas da saúde sexual e reprodutiva que tenham como perspectiva a igualdade e a equidade.
Por esta razão, vale até nos perguntarmos: será que nossa visão sobre sexo se atualizou ou ainda é a mesma de séculos atrás?
[1] COSTA, Jurandir Freire. O lado escuro do Iluminismo.
Disponível em: http://jfreirecosta.sites.uol.com.br/artigos/artigos_html/iluminismo.html
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Notificar violência doméstica e sexual passa a ser obrigatório
A partir desta quarta-feira, os profissionais de saúde e de estabelecimentos públicos de ensino estão obrigados a notificar as secretarias municipais ou estaduais de Saúde sobre qualquer caso de violência doméstica ou sexual que atenderem ou identificarem.
A obrigatoriedade consta da Portaria nº 104 do Ministério da Saúde, publicada hoje, no "Diário Oficial da União" --texto legal com o qual o ministério amplia a relação de doenças e agravos de notificação obrigatória.
Atualizada pela última vez em setembro de 2010, a LNC (Lista de Notificação Compulsória) é composta por doenças, agravos e eventos selecionados de acordo com critérios de magnitude, potencial de disseminação, transcendência, vulnerabilidade, disponibilidade de medidas de controle e compromissos internacionais com programas de erradicação, entre outros fatores.
Com a inclusão dos casos de violência doméstica, sexual e outras formas de violência, a relação passa a contar com 45 itens. Embora não trate especificamente da violência contra as mulheres, o texto automaticamente remete a casos de estupro e agressão física, dos quais elas são as maiores vítimas. A Lei 10.778, de 2003, no entanto, já estabelecia a obrigatoriedade de notificação de casos de violência contra mulheres atendidas em serviços de saúde públicos ou privados.
PRIVACIDADE
O presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, Marcos Gutemberg Fialho da Costa, destaca que as notificações de doenças e agravos sempre incluem o nome do paciente e que a responsabilidade pela preservação da privacidade das vítimas de violência será das secretarias de Saúde e dos responsáveis pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
Ginecologista, Fialho confirma que, até hoje, os médicos e profissionais de saúde só denunciavam os casos de violência com a concordância dos pacientes, a não ser em casos envolvendo crianças e adolescentes, quando, na maioria das vezes, o Conselho Tutelar era acionado.
Para o médico, a inclusão da agressão à integridade física na lista de notificações obrigatórias é um avanço, mas o texto terá que ficar muito claro, já que o tema violência contra a mulher ainda suscita muita polêmica, e cada profissional terá que usar de bom senso, analisando caso a caso, para não cometer injustiças e também não se sujeitar a sofrer processos administrativo e disciplinar.
Responsável pelas delegacias da Mulher de todo o estado de São Paulo, a delegada Márcia Salgado acredita que a notificação obrigatória dos casos de violência, principalmente sexual, vai possibilitar o acesso das autoridades responsáveis por ações de combate à violência contra a mulher a números mais realistas do problema. De acordo com ela, os casos de agressão contra a mulher não tinham que ser obrigatoriamente notificados à autoridade policial.
"A lei determina que cabe à vítima ou ao seu representante legal tomar a iniciativa de comunicar a polícia. No momento em que isso passa a ser de notificação compulsória e a equipe médica tem que informar a autoridade de Saúde, fica mais fácil termos um número mais próximo da realidade", disse a delegada à Agência Brasil, destacando a importância de que a privacidade das vítimas de violência, principalmente sexual, seja preservada.
FSP - 26/01/2011
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Preservativo na escola já!
Há quase 30 anos nosso país vive e convive com o HIV e a aids. De lá para cá, nem é preciso falar sobre as diferentes fases pelas quais passamos. Do terrorismo aos Direitos Humanos foram anos de luta pelo fim do preconceito, da discriminação e pelo acesso universal aos medicamentos e insumos de prevenção. Mais do que isso, ampliou-se o espaço para a discussão de fantasias e desejos, possibilitando, assim, a desconstrução de normas sociais rígidas que tolhem o direito das pessoas ao prazer.
Quando imaginaríamos, por exemplo, que gays, lésbícas, bissexuais e transgêneros ocupassem o espaço público tal como acontece nas paradas pela diversidade sexual? Ou que o tema fosse discutido na escola a partir do olhar da igualdade de direitos e do respeito à diferença?
Ou que surgisse uma proposta federal de um projeto como a Saúde e Prevenção nas Escolas que favorecesse a intersetorialidade entre as áreas da saúde e educação e a participação juvenil em diferentes instâncias de poder e de comunicação?
Mais ainda, que a Contracepção de Emergência fosse regulamentado pelo Ministério da Saúde (2005) a partir da Norma Técnica de Planejamento Familiar (1996) e da Norma Técnica de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual ( 1998) e disponibilizada nos serviços de saúde públicos?
Sim, avançamos muito nestas últimas décadas. No entanto, ainda existem várias situações, no mínimo, preocupantes. Uma delas diz respeito à disponibilização/distribuição do preservativo nas escolas. E é essa questão que discutiremos neste artigo. A começar pelo grande investimento em prevenção nas áreas da saúde e educação para a população adolescente e jovem.
Inúmeros foram os projetos e programas voltados para pessoas nesse ciclo da vida. Capacitação de profissionais, eixos norteadores compatíveis com a realidade brasileira, elaboração de estratégias e planos de ação, materiais educativos etc., são alguns dos investimentos que tanto os governos – municipais, estaduais e federal – quanto as organizações não governamentais se dedicaram objetivando enfrentar a epidemia de aids.
Seguramente, adolescentes e jovens foram uma das populações mais trabalhadas nas últimas décadas e o reflexo das campanhas e atividades de prevenção nas escolas são percebidos ao se analisar os dados da Pesquisa de Comportamento, Atitudes e Práticas – PCAP de 2008. Só para se ter uma ideia, o índice de uso do preservativo na primeira relação sexual - um importante indicador para avaliar o impacto as ações de prevenção - não para de crescer: apenas 9% das pessoas de 15 a 19 anos usavam camisinha na primeira relação sexual no ano 1986, início da epidemia de aids. Já em 2008, essa proporção pulou para 60,9% dos/as brasileiros/as na faixa entre 15 e 24 anos de idade. Conforme os dados da pesquisa, este mesmo grupo utiliza o preservativo com parceiros casuais mais do que outros. Por exemplo, com parceiros fixos, 30,7% dos jovens entrevistados afirmaram fazer uso da camisinha. Entre aqueles de 25 a 49 anos só 16,6% adotam a mesma prática. Acima de 50 anos, o percentual cai para 10%. (PCAP 2008).
Poderíamos, assim, concluir que adolescentes e jovens respondem de forma muito positiva à prevenção do HIV e de outras DST quando têm acesso aos meios para isso. Todavia, Apesar desses dados serem animadores, há que se ir além e buscar por soluções que diminuam ainda mais o número de adolescentes e jovens vulneráveis às DST e ao HIV/Aids. Uma estratégia seria que as escolas facilitassem o acesso aos insumos de prevenção, mais especificamente à camisinha.
O que parece simples na teoria, na prática, se transforma em um verdadeiro cavalo de batalha para aqueles que defendem o direito à prevenção.
A prevenção como um direito
Com base nos Direitos Humanos, é preciso encarar também a prevenção como um “direito”. Isso significa, inclusive, que é necessário colocar em prática medidas que facilitem o acesso aos insumos de prevenção e buscar novos mecanismos de enfrentamento da epidemia do HIV. Assim, só é possível fazer um trabalho sério em prevenção acreditando-se que os/as adolescentes e jovens são sujeitos de direitos, inclusive, os sexuais e reprodutivos.
Pensando nessa linha, ao analisarmos os diferentes obstáculos que ainda existem na relação escola e preservativo, percebemos duas questões importantes. A primeira, é a incongruência que existe entre o discurso dos/as educadores/as, explicando a importância do uso da camisinha – feminina ou masculina -- em todas as relações sexuais e instruções para sua utilização, mas referenciando adolescentes e jovens para os serviços de saúde. Claro que o serviço de saúde tem como atribuição disponibilizar preservativos para a população. Só que ao encaminhá-lo aos serviços cria-se, assim, um problema a mais em vez de uma solução imediata. Outro exemplo de incongruência, seria justificar-se a não distribuição do preservativo na escola pelo medo da reação de pais e mães e igrejas; por acreditarem (?) que os/as estimulariam a iniciar a vida sexual precocemente ou, ainda, de que desperdicem o preservativo transformando-o em um balão e utilizado-o nas brincadeiras. Nada que uma boa conversa com os familiares e com pessoas chave na comunidade não resolvesse, pelo menos em parte, essas questões. O que acontece é que, muitas vezes, essas são as desculpas que são dadas. Na verdade, a resistência a esta ação está nos próprios gestores e no próprio corpo docente. Questões morais e religiosas, medo de perder o cargo ou de ser punido/a pelas instâncias de maior poder, de ter mais trabalho pela frente, ou, ainda, de se perder votos são alguns dos motivos que impedem que educadores e gestores da educação busquem por estratégias que favoreçam a disponibilização do preservativo na escola.
No plano mais político, não existe sequer um documento oficial que aponte, textualmente, que é vedada a distribuição de preservativos na escola. O mesmo vale para a disponibilização do insumo. Nenhum documento oficial em nível federal, estadual ou municipal impede que os insumos de prevenção estejam à disposição de adolescentes e jovens que os queiram. A exemplo do que acontece na área da saúde em relação à disponibilização do preservativo e ao teste para o HIV, vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, que consolida os direitos básicos da população infanto-juvenil, é um dos documentos chave para se assegurar os direitos fundamentais dos/as adolescentes (12 a 18 anos), sem prejuízo de proteção integral garantindo que por esta lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (ECA, art. 3º).
Em nosso entender, privar adolescentes e jovens de informações coerentes sobre a prevenção das DST e do HIV e dificultar o acesso desta população ao preservativo é, pois, uma violação de um direito, inclusive constitucional.
Pela disponibilização do preservativo a escola
Mesmo após tantos anos de enfrentamento à epidemia de aids e outras DST, em muitos casos a prevenção ainda é vista mais como um atributo individual do que programático e social. E essa postura, longe de diminuir o número de novos casos de infecção pelo HIV, faz com que alguns programas e projetos não se assumam como corresponsáveis na busca por mudanças internas que favoreceriam a prevenção. Dessa forma, poderíamos concluir que a prevenção como um direito ainda não foi assimilado por muitos órgãos governamentais e não governamentais.
Mesmo para os movimentos sociais e instâncias de controle social, o acesso dos adolescentes e jovens ao preservativo e outros insumos de prevenção na escola ainda está pouco pautado em suas agendas. Ou seja, é necessário que a sociedade civil organizada se envolva, também, nessa discussão do mesmo modo como vem fazendo há tantos anos.
Tendo como base os direitos humanos, as leis e os marcos legais nacionais, acreditamos ser necessário a criação de um grupo de pressão no sentido de discutir-se a possibilidade de se incidir politicamente nessa questão, garantindo-se, inclusive, a elaboração de uma proposta de norma técnica ou diretriz legal que garanta o direito de adolescentes e jovens a acessar o preservativo em sua escola. Seguramente, os profissionais da educação, do mesmo modo que a saúde, terão em mãos um instrumento legitimo que facilitará acordos entre as famílias dos/as alunos, as unidades básicas e outras instâncias existentes no entorno da escola.
Publicado em: http://www.agenciaaids.com.br/artigos-resultado.asp?ID=337
Publicado em: http://www.agenciaaids.com.br/artigos-resultado.asp?ID=337
eu quero o meu!
Que motivos a gente tem para o preservativo estar na escola?
1. Durante a oficina de educação em sexualidade nos foi mostrado 1 único preservativo para 40 alunos. E o meu?
2. É na escola que vai sair meu primeiro namoro e, quem sabe, minha primeira transa. Kd o meu?
3. Se eu correr até ao posto, passar pela entrevista, pela palestra ... ele já mudou de ideia e foi embora. Quero o meu!
4. Na gincana da escola, a professora pediu um método contraceptivo, mas não dava para sair da escola e ir ao posto. Kd o meu?
5. Eu disse para ele: Romeu Romeu, eu quero o meu!
6. Posso ter um nome social e me vestir como eu desejo, mas quero o meu!
7. Pode ser sabor uva, tutti frutti ou hortelã. Mas kd o meu?
8. Já participei da sensibilização, de oficinas e de palestras, mas ainda não recebi o meu. Eu quero o meu!
9. Eu sou independente. Por que só ele tem? Kd o meu?
10. A escola se preocupe com que eu não engravide, mas aqui não tem. Quero o meu!
11. Acesso a informação na escola tenho 1000. Mas acesso a ele tenho zero. Kd o meu?
12. Pode ser na máquina, na caixinha ou no baleiro. Quero o meu!
13. Pode ser masculino ou feminino. Kd o meu?
Repasse esse blog para todas aquelas pessoas que acham o preservativo tem que estar disponível na escola.
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